Relato de parto natural hospitalar
“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo."
Eduardo Galeano, seu lindo, obrigada pela frase representar tão bem este momento.
É longo...tem alguns palavroes, erros gramaticais e o lyout tá péssimo!
Let it gooooo
Eu escolhi por um parto natural hospitalar e humanizado (pero no mucho).
Assim que descobri a gravidez, Marcio mudou de emprego e acabávamos de vender nosso primeiro apartamento. Foi uma loucura aquele comecinho de gravidez e a atual dinâmica que havia se instalado. Com a mudança de emprego, teve a do convenio medico também e aí que foi cravada nossa luta: estávamos muito limitados, o convenio só atende na minha cidade com a opção de dois hospitais e mal sabíamos a possibilidade de um parir respeitoso, com a mudança de lar bem no auge das 34 semanas o parto domiciliar foi então descartado, depois de muita conversa, estudo e choro.
Foi num grupo de apoio ao parto humanizado que cavamos um espaço para pensar melhor no nascimento da nossa filha, como disse lá em cima, foi um pouco tumultuado com a venda do apartamento... O que era pra ser dois meses na casa da sogra, tornaram-se quase cinco! Precisava do meu canto, da minha vida e principalmente me libertar dos fantasmas que nos assombravam da perda do nosso primeiro bebê (Um aborto retido com 10 semanas. Saí do hospital decidida a expelir naturalmente em casa...e senti todas as dores e na hora não sabíamos o que fazer com o fetinho. Foi, de longe uma das experiências mais dura e cruel que vivi). E lá no grupo eu consegui falar sobre isso, mas mais do que simplesmente falar fui ouvida, acolhida e conheci minha querida doula que foi a peça chave para que enfim tomássemos a decisão do nosso parto.
Aliás, não tinha noção da EXTREMA importância de uma doula! Hoje, quando penso na trajetória toda que percorremos não consigo ver essa história sem ela. Foi numa segunda feira a noite bem calorenta que nos encontramos para conversar e conversamos, conversamos, conversamos...Saí de lá até com angustia, mas eu precisava me decidir, precisava então enfrentar e escolher. Parecia que ela tinha me dado todos os armamentos da “guerra” e eu teria que avaliar com qual deles iria para batalha e então começava meu protagonismo.
A militancia requer de nós flexibilidade, coesão dos argumentos e persistência. O emponderamento vai além de mergulhar e entender o assunto, ele passa numa linha tênue de autoconhecimento, de amadurecimento e como todo crescimento traz consigo a dor. Não vou negar, eu quis desistir, quis nunca ter visto e lido nada a respeito do parto humanizado, do protagonismo da mulher, do sagrado feminino. Quanto mais eu chegava perto de escolher a equipe para assistir o parto mais me lamentava por ter saído do senso comum, mas em contrapartida a vontade de que o nascimento de Helena fosse respeitoso me fazia ir cansada do mesmo jeito, mostrar minha cara inchada no hospital e perguntar mil vezes a mesma coisa, me deslocar para outra cidade e conversar os tubos com a Doula, perguntar sinceramente para o GO quais eram seus limites profissionais, me deslocar novamente para outra cidade e participar dos grupos de apoio.
Quanto ao GO, é o único da cidade que topa um parto natural, porém ele não carrega o titulo de humanizado. Sempre soube que em alguns pontos teríamos algumas divergências, mas isso nunca impediu um dialogo, nunca foi uma barreira, um embate. Havia espaços, vínculo e foi possível que tais divergências fossem conversadas ponto a ponto. Aliás, foi numa consulta que eu e Marcio fomos decididos a conversar sobre os limites profissionais que pudemos entender melhor sua clinica num imprevisto e colocar essa conversa como a mais importante a ponto de realmente depositar plenamente nossa confiança nele independente da nossa escolha por um Pd ou hospitalar. Eu faço parte daquelas que resolvem se “arriscar” nos médicos que estão começando mas sempre consciente, sempre presente e sabendo que antes de uma conduta médica há o meu corpo e minhas regras.
Só pra contextualizar e agora vamos de fato ao relato de parto J
2 semanas antes... (38 semanas)
Penultima consulta com o GO e decido ser avaliada e pra minha surpresa 1cm de dilatação. Saí de lá com a carinha na janela tomando um arzinho, como quem recebeu a noticia que a plenitude tava ali na esquina pedindo carona. Lembro do Marcio ligando pra minha sogra e falando do 1 cm e dela chorando pela noticia. 1cm, causou tudo isso..Meu Deus, imagina quando realmente trabalho de parto engrenasse.
Fiz uma ultra com Doppler e lá estava Helena, linda, grande e ENCAIXADA mais 1cm de dilatação. O combo perfeito para instalar a ansiedade. Eu já estava muito cansada, muito inchada e com o guarda-roupas limitados em 3 vestidos e uma rasteirinha, odiava o calorão que estava fazendo e ao mesmo tempo pedia aos céus para não esfriar porque aí eu tava era lascada, só me restaria um edredom para me vestir.
Fui conversar com a Doula naquela semana e ela já manjada nos alertou que os bebes primogênitos demoram a nascer , passam das 40 semanas. Murchei, rs.
1 semana antes (39 semanas)
Ultima consulta com o GO, o toque pedido por mim e nada mudou. Sabe a carinha na janela da semana passada? Transformou-se em lagrimas no chuveiro com direito ao drama de descer as costas no azulejo e ali ficar.
Embora tenha me cuidado, drenagem, piscina, boas sonecas...meu corpo não acompanhava minha cabeça na espera. Me sentia cansada, exausta. Qualquer atividade era difícil de realizar. Quando o GO perguntou o que eu pensava sobre indução e qual era a minha tolerância de esperar eu quase disse: vamos agora, hoje, já! Ele tentou me acalmar mais por pouco tempo até se despedir e dizer: “então, até o parto!”. Frio na barriga! Saí de lá com as guias para acompanhamento de vitalidade fetal que seria feito a cada dois dias.
Na semana (40 semanas)
A avaliação de vitalidade fetal é feita no pronto socorro de um dos hospitais disponíveis e logo na segunda o GO estava de plantão e consegui conversar um pouco com ele e avaliar o cardiotoco que e tava ótimo. Mas era pronto socorro, passei lá a manhã toda e fiquei pensando se ia ser sempre assim, demorado e cansativo. Desanimei!
Terça feira tive as contrações de Braxton por quase duas horas e por dentro eu torcia pra vir aquela dorzinha diferente e a coisa mudar mas nada....
05/11
Na quarta voltei ao hospital e mais demora e dessa vez fui atendida pelo plantonista, permiti o toque achando que as contrações do dia anterior tivesse surtido algum efeito, mas nada...tudo estava igual. Cardiotoco ok e ainda disse pra enfermeira que seria o último. Saí mais desanimada. Pra ajudar, muita gente preocupada, ligando pra minha mãe e praticamente já proferindo uma tragédia anunciada. Onde já se viu uma gravidez de 40 semanas? Que passou da data? Minha mãe levou na boa, sabia que tudo estava sob controle e confiava nas decisões que eu tomava, já meu pai..tava desesperado como nunca esteve na vida!
Aí, resolvi me enclausurar. Fiquei em casa, fechei as cortinas, mentalmente pedia para Helena vir e desabei de chorar de medo, alegria, de não saber o que me esperava na maternidade. Fiz meu ninho e comecei a me despedir da Elisa filha, esposa e me abrir para a nova Elisa mãe e que dali para frente eram só incertezas mas que eu estava pronta pra sua chegada. Fui ao banheiro e um “pedaço” mais consistente do tampão havia saído, pensei comigo “bem que podia, né?”.
Saimos para jantar e comi bastante pimenta, ainda cheguei em casa e dancei zumba, rs! Estava descontraindo. Tinha prometido a mim mesma que mesmo meu corpo cansado eu precisava relaxar! E se fosse mais duas semanas pela frente?
Analisando agora, todo esse meu movimento interno de deixar vir essas emoções devem ter ajudado no processo de chegar a hora. Precisei me esvaziar do velho para o novo vir.
Dia 06/11 07:32
Senti uma dor diferente nas costas, estava meio dormindo, meio acordada, virei para o lado e tentei dormir outra vez e a dor veio de novo. Levantei e pela primeira vez na vida uma dor me causou um sorriso. “Seria hoje?”. Esperei mais umas 3 dores e liguei para o Marcio “Amor, acho que a Helena ta vindo. Mas fica tranqüilo, ta suportável e trabalho de parto pode demorar!” . Logo em seguida liguei também para minha mãe trazer um café da manhã e anunciei o que tanto queria: -Helena estava vindo.
A sensação era tão boa, eu em casa com as pessoas que amo comigo e o clima era de total acolhida, quando a dor era mais incomoda ficava debaixo do chuveiro. Mandei mensagem para doula e ela disse que ia descansar porque já tinha assistido dois partos. Fiquei tranqüila porque ainda conseguia controlar as dores com água quente, ficando de cócoras e com massagens. Avisei o GO lá pelo 12:00 e conversando com ele entendi que ainda estava nos pródomos e assim reforçamos o que tínhamos combinado em consulta: ir para hospital quando as contrações estivessem de 5 em 5 min ou quando a bolsa rompesse e que iríamos nos falando durante o dia.
Almocei uma pratada entre uma contração e outra, sentia muita fome!!! E logo após a fome, senti sono. Agradeci muito ao Marcio por ter insistido que eu dormisse na madrugada anterior, porque nas noites insones das ultimas semanas me levantava e ficava na internet, assistindo filmes e naquela noite ele pediu pra eu tentar dormir e não sei como eu voltei. Era meu corpo já muito ligado na maratona que viria.
Achei uma posição confortável para dormir e relaxei até o começo da noite quando senti que a dores estavam apertando e pedi para a doula vir. GO também tinha ligado e conversado com o Marcio de como estavam as coisas e se prontificou a me examinar no hospital que ele estava de plantão, mas na hora não quisemos e resolvemos esperar a doula.
E o clássico aconteceu, doula chegou contrações se espaçaram. Minha sobrinha passou em casa pra me ver e ficou me doulando e dizia que queria ajudar. Olhar pra ela me deixou mais calma, mais feliz por estar vivendo tudo aquilo.
Neste momento a doula me sugeriu acelerar o trabalho de parto ou descansar. Acelerar significava dançar, fazer exercicios, andar...Sinceramente? Não! Mas quando eu resolvi descansar as dores aumentaram, aumentaram, aquilo era a dor do parto? C@#$%%lho!!! Foi nessa hora que precisei de apoio emocional e físico. Eu pensava na burrada que tinha feito em escolher o parto natural, que eu deveria ter agendado uma cesarea e já estaria tudo bem, xingava a maria bethania e musica debaixo dagua, sacooooooo, p@##a, dor, dor, não tinha posição, não tinha massagem, agua quente e então eu comecei a pedir a anestesia. Lembro de estar irritada e da doula dizer " Pode xingar, viu? Você está irritada e isso é bom"
Antes, tinha falado para Marcio e doula que era pra ignorar quando eu pedisse anestesia, mas quando a dor veio daquele jeito que não dá pra explicar eu pedia para que eles me ouvissem e que eu estava falando sério, para mim só uma anestesia para sair viva! Eles me enrolaram, minha mãe de longe observava e talvez a unica que teria coragem de me levar ao hospital para uma anestesia. Até que a doula me disse " Para de brigar com a dor, ela vem e volta. Passa". Não sei de que maneira aquela frase foi internalizada por mim, eu entendi e o Marcio lembrou da posição que descansei a tarde e sugeriu que eu ficasse nela, fui meio que arrastada e entendendo que não tinha mais o que fazer a não ser passar pela dor.
E eu me entreguei e fui para partolândia.Decidimos todos descansar! Dormia no intervalo das contrações, capotava mesmo, chegava a sonhar. Lembro que eu apertava as pernas do Marcio com tanta força e uma hora mandei ele calar a boca porque ele ficava me incentivando " Isso amor, respira, respira" Ahhh mas não deu outra, levou, coitado. Essa fase da gente virar bicho-mãe é cruel e assustado, fiquei louca mesmo. Pra quem observa de fora e de dentro também. Pedi uma toalha molhada e hoje pensando dava uma regulada na temperatura e me aliviava bastante, passava na testa, nas pernas...Sentia as vezes que eu fazia xixi em uma contração e outra. Lembro de antes de ir para partolandia da doula dizer que era para chamar quando eu sentisse vontade de fazer força e teve duas contrações que eu pedi para o Marcio chamar , mas ele não botou fé, achou que eu tava muito quieta, não tava gemendo ou gritando porque depois da "entrega" sentia a dores e só controlava a respiração, mas uma hora eu falei que estava com muita vontade de fazer força e ele chamou a doula. Ela olhou e disse " rompeu a bolsa", como assim??? Nem senti! Achei que ia estourar, fazer barulho, sair um monte de agua...Nem dei conta do rompimento. Quis fazer xixi e no que eu fui para o banheiro senti Helena descer e muita vontade de fazer força, a doula não acreditou muito, mas quando viu minha expressão mudou de ideia e a minha vontade de fazer força não passava, não lembro da dor, mas lembro do peso que eu sentia na bacia -Nota do Marcio: "Eu vi voce com dois metros de altura no banheiro e andando nas pontas do pé". Acho que andei assim porque se colocasse o pé no chão naquele momento eu teria a Helena ali mesmo e seria um PD não planejado.
A partir daí é só aventura. Lembro dos flashs, da doula ligando para o GO e perguntando se ele vinha em casa ou se dava pra ir ao hospital mesmo assim, dela preocupada de onde estava estacionado o carro e da minha mãe que parecia um pombo sem planejamento de voo que não conseguia achar uma roupa para eu vestir, do Marcio sumir e de eu apenas cumprir ordens do tipo, levanta, senta e meio de que não acreditar que estava chegando a hora de ver a Helena. Mas uma ordem me fez voltar para o mundo real " Você vai de quatro no banco de tras com a cabeça baixa e bumbum lá pra cima, vou ao lado porque se a bebe nascer eu pego. Se sentir vontade de fazer força, respira curtinho e não faça força!!" Detalhe, tava com um vestido e o vestido foi levantado por medidas de segurança...ou seja, fui de quatro e com as partes de fora, rsss dou muita risada ao lembrar e imaginar a cena. Ainda bem que eram mais de 03:00 da manhã, mas enquato batia a cabeça na porta do carro por causa da velocidade escuto o Marcio falar: "Putz, blitz". Só me faltava parar o carro, passamos ilesos e nem sei como porque o Marcio tava correndo muito.
Chegamos ao hospital e apesar da correria eu tentava me concentrar para o que iria acontecer, GO estava me esperando na porta do hospital e fiquei aliviada de ter conseguido chegar e de ele estar ali. Ele quis me examinar e eu dizia que não era preciso que estava nascendo, quando examinou ele disse " Nossa, vamos pra sala. AGORA. Tá nascendo" e fomos. A sala era do pré parto e estava arrumada com a banqueta e já cheguei sentando. Mas cadê as contrações? Escutei todas as orientações do GO de como era a força, que não era pra me assustar com a sensação de "rasgar tudo" e fiquei esperando vir as contrações...Doula me perguntou "Vc está com medo?" Respondi que sim e ela "Exatamente do que?" , da maternidade, do depois, sempre me assustou embora quisesse muito ser mãe e ela disse "Aprende, tudo se aprende". Como doula tem a função de libertar, né? Profundo respeito a essa profissão linda!
As contrações vieram e eu senti o famoso circulo de fogo queimar, senti a sensação de estar me rasgando e em tres forças as 03:53 Helena nasceu, com uma circular e veio para meus braços...primeiro um gritinho e depois aquele choro! Que espetáculo! Que libertador! Me sentia a mulher mais plena do universo e agora com uma filha em meus braços. O cheiro, ah cheiro, a sensação, tudo. Fiquei olhando pra ela, que parou de chorar e ficamos ali se aquecendo e se acolhendo para a nova vida que começava. Que delícia parir assim com respeito!!!
Mais uma forcinha e nasceu a placenta que confesso fiquei com apego e não queria que jogassem fora.
Mas nem tudo são flores...a pediatra do plantão ficou toda bravinha porque niguem avisou do parto (???) e ficou insistindo que tinha que aspirar. O GO já tinha dado uma boa enrolada nela, ele tentou de novo mas não tinha o que fazer e mesmo porque logo depois eu apaguei, desmaiei, rs. Lembro de ter me visto na poça de sangue e pedido ajuda da doula e preto, tudo preto... Nisso acabei perdendo a primeira hora de nascimento da Helena. Ainda rolou um burburinho da mãezinha do quarto 03 que não quis as vacinas, mas sabiamos e estavamos cientes que isso poderia acontecer.
Relembrar tudo isso e colocar os sentimentos no "papel" foi um exercicio de ir contra o sistema, de luta, de estudo e claro do emponderamento e que valeu a pena todo investimento de tempo, financeiro pra chegar até onde chegamos. Agradeço demais ao meu marido que foi muito parceiro em todos os momentos, me doulou, me amou na loucura, na dor e foi fundamental para todo o processo. A doula que nos acolheu desde o grupo, sempre atenta as minhas falas e angustias, organizou angustias e me deu suporte desde a decisão do parto hospitalar e ao apoio essencial durante o TP. Ao GO que sempre esteve disposto, me respeitou, permitiu o vinculo e com a sua leveza conseguiu espaços para que meu parto fosse como foi. Sei que ele arrumou algumas caras feias dos colegas de profissão por ter feito um parto como este numa cidade muito conservadora.
E a Deus, porque sou cristã, mas principalmente porque não teve outra conexão maior com o divino do que meu parto, valeu, PAI!